Estudos apontam que valorização da bravura e da
autossuficiência faz com que eles cuidem menos da saúde.
O ministro da
Saúde, Ricardo Barros, provocou uma polêmica nesta semana ao afirmar que homens
vão menos ao médico do que as mulheres porque trabalham mais.
Sua declaração
parece não ter fundamento na realidade. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) mostram que mulheres trabalham em média cinco horas a
mais que os homens na semana, uma vez que costumam acumular a vida profissional
com mais tarefas domésticas.
Pesquisas
realizadas nos Estados Unidos - país onde homens também se consultam menos do
que as mulheres - indicam que outro elemento está por trás dessa disparidade: o
fator cultural que associa ao sexo masculino características como
"bravura" e "autossuficiência".
Educados para se
mostrarem fortes, homens evitam o atendimento médico justamente por receio de
serem vistos como fracos, disse à BBC Brasil uma das autoras desses estudos,
Mary Himmelstein, pesquisadora da Universidade de Connecticut.
Em uma de suas
pesquisas, ela questionou 491 pessoas, de ambos os sexos, sobre o quanto
concordavam ou não com frases sobre o papel social de homens e mulheres, a
importância da bravura e autossuficiência e a confiabilidade de médicos.
Além disso, os
entrevistados também deram informações pessoais sobre com que frequência iam ao
médico e quanto tempo costumavam demorar para ir se consultar quando se sentiam
mal.
Cruzando esses
dados, Himmelstein e a coautora do estudo Diana Sanchez concluíram que, quanto
mais os entrevistados se identificavam com valores associados culturalmente à
masculinidade (bravura e autossuficiência), mais eles tendiam a minimizar
problemas de saúde e a evitar consultas médicas.
"Crenças
tradicionais sobre os papéis sociais (de cada gênero) contribuem para a forma
como nossa cultura constrói a masculinidade - isto é, as mensagens que
recebemos sobre como os homens são, como deveriam ser e como devem agir",
explicou Himmelstein, em entrevista por email.
"No caso dos
homens, essas crenças contribuem para a ideia de que, para ser um 'bom homem',
é preciso ser duro, corajoso e absolutamente autossuficiente. O problema dessas
crenças é que criam barreiras para pedir ajuda, mesmo em face de doenças e
lesões", acrescentou a pesquisadora.
Mulheres e bravura
A pesquisa mostrou
ainda que mulheres que se identificavam com valores de bravura e
autossuficiência também iam menos ao médico. No entanto, um número menor delas
se associava a essas características.
"A principal
diferença é os homens têm um roteiro cultural dizendo que eles TÊM que agir
dessa forma para que possam ser considerados homens. As mulheres não têm essa
mesma pressão social para serem corajosas, resistentes, e
autossuficientes", observou.
"As mulheres
são mais propensas a ir ao médico do que os homens e fazem mais perguntas
quando estão lá. Potencialmente, grande parte da explicação para essas
diferenças está relacionada com as mensagens culturais sobre
masculinidade", disse ainda.
A pesquisadora
destacou também que, mesmo quando desconsideradas as consultas diretamente
relacionadas ao gênero feminino, como visitas ao ginecologista e acompanhamento
pré-natal, as estatísticas mostram que as mulheres vão ao médico com mais
frequência que homens.
Questionada sobre
haver evidência científica de que pessoas que trabalham mais se consultam com
menos frequência, Himmelstein disse desconhecer informações nesse sentido.
Na realidade, a
pesquisadora apontou que executivos com grande carga de trabalho, por exemplo,
costumam frequentar mais médicos do que a média - com exceção daqueles que
pontuam na pesquisa altos índices de "masculinidade".
"Pessoas em
altos cargos de gerência, que trabalham horas excessivas (ou seja, mais de 40 a
50 horas por semana) são mais propensas a visitar o médico, por isso não se
pode argumentar que são as horas de trabalho que impedem as consultas",
afirmou.
"Eu diria que
a masculinidade tem um peso grande no hábito dos homens de evitar e adiar
consultas médicas."
E esse fator tem
outras consequências para a saúde deles, nota a pesquisadora. Estudos indicam
que os valores associados à masculinidade também levam os homens a serem menos
francos sobre os sintomas que estão sentindo, assim como contribuem para uma
comunicação menor de lesões em atletas do sexo masculino.
"A
masculinidade também está associada com a frequência menor de cuidados com a
saúde, como ir ao dentista, usar protetor solar, comer frutas e vegetais e
realizar autoexames de mama e testículo (para identificar câncer)",
exemplificou a pesquisadora.
Pedido de desculpas
A declaração
polêmica de Ricardo Barros foi dada na quinta-feira, durante o lançamento de
duas cartilhas do ministério com objetivo de ampliar o atendimento aos homens
na rede de saúde.
"Eu acredito que
é uma questão de hábito. Os homens trabalham mais, são os provedores da maioria
das famílias e não acham tempo para a saúde preventiva. Isso precisa ser
modificado. Nós queremos capturá-los para fazer os exames e cuidar da saúde. A
meta destes guias é fazer que nossos servidores orientem os homens, que
normalmente estão fora [de casa], trabalhando", disse na ocasião.
Após a reação ruim
a sua declaração, o ministro pediu desculpas nesta sexta-feira. Por meio de uma
nota, disse que se referia ao número maior de homens no mercado de trabalho.
Citando dados do
IBGE sobre pessoas de 16 anos ou mais que estão trabalhando, destacou que 53,7
milhões são homens e 39,7 milhões são mulheres.
"Conhecendo o
quanto as mulheres trabalham, eu jamais diria que os homens trabalham mais que
as mulheres. Quero deixar claro que eu me referia ao número de homens no
mercado de trabalho, que ainda é maior", afirmou.
Segundo outra
pesquisa do IBGE, que leva em conta também o trabalho doméstico, os homens
trabalham em média por semana 41,6 horas fora de casa e 10 horas com tarefas
dentro dela. Já as mulheres usam em média 35,5 horas da sua semana no trabalho
principal, mas perdem mais que o dobro do que eles em afazeres em casa (21,2
horas).
Isso dá uma
diferença de cinco horas, indicando que mulheres trabalham 10% mais que os
homens. Apesar disso, seus salários tendem a ser menores, mesmo quando possuem
escolaridade equivalentes a de colegas masculinos.
Os dados do IBGE
também mostram que têm crescido o número de domicílios chefiados por mulheres.
Segundo o levantamento mais recente, de 2014, essa é a realidade de 39,8% das
casas do país.
Outras críticas
A declaração de
Barros não é a primeira relacionada a questões de gênero a atrair críticas
dentro do governo interino de Michel Temer.
Em julho, o
ministro das Relações Exteriores, José Serra, deu uma declaração polêmica sobre
a presença das mulheres na política durante encontro com a chanceler mexicana,
Claudia Ruiz Massieu, no México.
"Devo dizer,
cara ministra, que o México, para os políticos homens no Brasil, é um perigo
porque descobri que aqui quase a metade dos senadores são mulheres",
declarou Serra.
Todos os ministros
do presidente interino são homens brancos, o que provocou uma série de críticas
quando seu governo foi montado.
Depois disso, Temer
nomeou mulheres para outros postos, como a presidência do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social) e o comando da Secretaria de Direitos
Humanos. Em entrevistas, minimizou a ausência de ministras afirmando que esses
cargos também são muito importantes.
Fonte: g1.globo.com/saude
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